Mário Ribeiro
Publicação: página 2 do caderno CULTURA do jornal ESTADO DE MINAS de 28/06/2012
Boquiaberto com a sede de compras de patrícios com sacolas repletas de bugigangas, ligava para dizer que se lembrava da história tão repetida de tio João no seu armazém de secos e molhados, na Curvelo da metade do século passado, quando ninguém se arriscava a entrar no estabelecimento na hora do almoço.
Sabiam todos que ele estaria deitado no balcão de madeira fazendo a sesta, com duas peças de tecido servindo de travesseiro e o chapéu sobre o rosto, para evitar o pouso de algum mosquito inconveniente no seu nariz vermelho, como o de todos da família.
Se isso ocorresse, na sua justa preguiça, tio João levava o queixo à frente para se livrar do mosquito com um sopro, sem ter de mover a mão para espantá-lo, o que atrapalharia seu sono.
Um dia, entra com espalhafato um novato, que, sem saber da história, tira tio João do sossego para lhe pedir que pegasse na prateleira lá do alto um chapéu para experimentar.
Tio João, com os olhos empapuçados de sono, irritado por ter de alcançar os chinelões deixados abaixo do balcão e pegar a escada que o levaria ao chapéu na prateleira de cima, solta a frase histórica, ainda mais dita por um comerciante:
– “Cês” também não podem ver nada que querem comprar…
De Montevideu, meu amigo lamentava a falta que faz o tio preguiçoso num mundo carente de paz, mas insensato ao não se contentar com menos. Para o amigo, comerciante como tio João, é triste ver o mundo em reuniões que terminam sem conclusões efetivas e sem que ninguém abra mão do que mais gosta: consumir.
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