Com este ‘grito épico’, o neguinho da Beija-Flor se notabilizou como um grande carnavalesco e puxador do samba de sua escola, que carrega multidões pelo Brasil à fora. E, mais uma vez, o carnaval está aí, junto com ele a alegria, a descontração, o desprendimento e muita disposição para os dias de momo. Essa festa popular gigantesca, tradicional e histórica, já acompanha o homem há séculos, em diferentes momentos de sua trajetória. Historicamente, o carnaval sempre esteve ligado a comemorações, atividades culturais e religiosas. É uma ocasião especial, as pessoas se transformam, se livram temporariamente das tensões, dos compromissos, dos preconceitos, da responsabilidade enfadonha e dos problemas do dia a dia.
O carnaval é uma das mais importantes manifestações culturais, folclóricas e artísticas da face da terra e se notabiliza por ser exagerada em tudo, especialmente na alegria, no entusiasmo, na descontração e, sobretudo, na liberalidade. É uma festa popular, imperando a ideia de que não há limites para se brincar no espaço e no tempo. É uma festa de todos, onde todos fazem de tudo para usufruí-la, o mais intensamente possível.
Porém, no curso natural da alegria de momo, muitas tragédias pessoais e sociais ocorrem, e só depois do carnaval é que se contabiliza o estrago, pois até então, tudo é samba, suor e cerveja. Em muitos casos, é grande a dor, o sofrimento e a frustração no pós- carnaval. As lágrimas, os desalentos e a tristeza ocupam os lugares do samba no pé, dos tambores e dos tamborins que alimentam a alegria do carnaval, pois muitos perderam a noção de que o carnaval é uma festa, que tem começo, meio e fim, e que no próximo ano, tem tudo de novo.
Aqueles que exageram, perdem os limites, pagam caro por isso. Perdem a noção de tempo, de espaço, de responsabilidade e perdem o limite entre o beber e o embriagar-se, entre o cansaço e a estafa, entre a alegria e a euforia, entre o brincar e o esbaldar, entre o repouso e a exaustão e, quando isso ocorre, surgem os diversos problemas.
Nesta época de carnaval tudo se modifica: bebe-se mais, as empresas produzem mais bebidas, os índices de homicídios, suicídios, estupros, roubos e violências são elevados, os problemas familiares e muitas outras mazelas se agravam, tudo inspirado pelo ‘suor, samba e cerveja’. O beber exagerado é arriscado: o que é para ser uma festa, alegre e descontraída, passa a ser para muitos, um tormento.
No Brasil, o consumo excessivo de álcool é imenso, mais de sete litros de álcool puro per capta por ano, acima da média mundial, que é de 6,13 litros. O consumo de álcool está presente em 25% dos suicídios, grande parte dos homicídios e mais de 70% das mortes no trânsito. Apesar disso, é tênue o limite definido de doses para estabelecer o consumo seguro de álcool, pois há os que toleram grandes quantidades, que se consideram ‘bons bebedores’ e os ‘fracos para o álcool’, que são intolerantes. Entre os problemas, o que mais se destaca é o volume alarmante de mortes no trânsito, os homicídios e os suicídios.
Com a reedição mais dura da lei seca em 2012 e, mais recentemente, por meio da Resolução nº 432 do Conselho Nacional do Trânsito – Contran, em 2013, que a deixa mais rigorosa, não permitindo nenhuma quantidade de álcool no sangue do condutor, espera-se que neste carnaval, haja uma redução drástica das ocorrências, pois brincar, distrair-se, alegrar-se e sorrir são coisas muito boas, necessárias e só nos fazem bem, especialmente promovidas por essa grande festa. Porém, embriagar-se, matar os outros, ou destruir-se são coisas completamente diferentes do que se espera de um bom carnaval.
Ruy Palhano, psiquiatra, escreve para o Jornal Pequeno