O diálogo dos potes

Havia dois grandes e belos potes que, num canto do quintal, falavam entre si:

– Ah que tédio! Viver aqui, exposto a tudo: sol, vento, chuva, calor… Por mais que eu me proteja, como sobreviverei? Aqui estou, perfeitamente tapado, lacrado para proteger-me e ainda assim sinto-me ameaçado, vazio. Não vejo graça em estar aqui.

 

Tranqüilamente, com amor e humildade retruca o outro pote:

– Veja, me encontro aqui, aberto, nada me protege a boca, ou melhor, o meu interior. Cai a chuva, eu a recebo. Vem o vento, eu o sinto bem dentro de mim. Vem o sol e me leva as gotinhas que retornam para o céu. Vem o novo e eu me torno o sujeito com e ao lado dos outros. E nem por isso me sinto ameaçado…

 

– Ora, grandes vantagens! Seu interior não guarda mais a cor original como o meu, sua cor é cada vez mais diferente. Você não é mais o mesmo!

 

– Sim! E isso me alegra! O meu interior se transforma a cada dia à medida que novas coisas me penetram. Posso sentir cada criatura que me visita e cada uma delas deixa algo de si para mim, assim como deixo para elas, pouco a pouco, minha cor.

 

– É, mas você não tem mais paz. A todo instante você é solicitado. Carregam você todo dia para levar água, ao passo que eu permaneço em meu lugar. Ninguém me incomoda quando se aproxima, já sei que é você que eles querem.

 

– Sim, se solicitam é porque tenho algo a dar e o que dôo não é diferente do que você pode dar. Deixo-me encher pela água que cai da chuva, tanto sobre mim quanto sobre você. Encho-me até transbordar. Outros seres precisam desta água e eu os sirvo. Me esvazio e me deixo encher de novo. Assim minha vida é um constante dar e receber. Enquanto isso, me desinstalo, saio do meu pequeno mundo e vou ao encontro de outros mundos. Já conheci potes diversos, animais, pessoas, tantas coisas e seres! E cada um me fez perceber ainda mais o pote que sou.

 

– Não sei… se continuar assim, brevemente serás um pote quebrado, gasto e, então, do que adiantará tudo isso?

 

– Creio que se me desgasto a cada dia é para ser possível a vida a outros seres. Vejo que o mais importante não é ser um pote intacto, tal como fui feito, mas um pote de valor como estou me tornando…. Se vou durar pouco tempo, se o pouco que viver tiver sentido, se me trouxer alegrias e me fizer sentir cada vez mais o que é um pote, isso me basta…

 

Já era tarde, o sol havia se escondido quando os dois se cansaram de falar. O pote aberto, sentindo-se cansado, logo adormeceu, o que não foi possível para o outro pote, que não conseguia dormir, pois algumas palavras ditas pelo companheiro lhe vinham à mente e não deixavam em paz:

– Participar; despojar-se; transformar o interior; paz; esvaziar-se; deixar algo de si; ser pote; deixar encher; pequeno mundo; desinstalar-se; trabalhar em equipe; escutar mais do que falar; amar; encorajar; avaliar; construir coletivamente; semear; ser feliz.

 

Na manha seguinte, um pote acordava, o outro dormia, porque fora o grande o seu esforço durante a noite para retirar a tampa que o acompanhava há tanto tempo…

 

“Não sei se a vida é curta ou longa demais, mas sei que nada do que vivemos tem sentido se não tocamos o coração das pessoas…”

Maria de Lourdes Lima da Fonseca


Postado por aponarte no Para pensar e sentir em 11/06/2008 02:15:00 PM

 

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